Ninguém te vai
amar como eu, ninguém vai não respirar, não vai comer como eu não comi, dias,
noites a fio, a morrer pensando que vivia, despertar entre nuvens sem acordar,
dias, noites a fio, fossilizado numa pedreira colossal de melindro e confusão.
Ninguém vai
nunca dar valor ao que é ter o céu-da-boca a escamar como quem engole peçonha
sem dar conta, como quem sorve, sem saber, um veneno que tira a pele da língua
e a deixa em carne viva, a latejar. Como se o brilho dos teus olhos fosse a
única chama antes ou depois da própria escuridão, a derradeira centelha, como
se fosses o sol ou até a lua. Como se porventura fosses tu a última quimera da
vida, intuito, a razão única.
Nunca alguém
te vai saber como eu, nos gestos que não são teus porque os detenho como meus,
nos gestos meus que adivinham os teus. Ninguém te vai gostar como eu a engolir
estupores, a excretar dejectos, de amor, a tentar comer para sobreviver neste pântano
agreste, mosto, a engolir qualquer coisa que leva consigo a própria essência do
existir, para dentro, para onde não é suposto ir. Nem eu vou amar nada mais que
sobreviva de acre e com desgosto.
Ninguém te irá
escutar como eu, a ouvir vezes sem conta a mesma frase que tanto dizia
quero-te, como não, vezes sem conta, a mesma estúpida canção, tantas e tantas
vezes, e outras tantas que não liguei patavina porque a melodia não soletrava o
teu nome. E o meu, omisso.
Ninguém te vai
amar como eu, surdo para tudo, nas auroras e nas noites acordadas, eu que
fiquei surdo para o mundo pois nenhum vento segredava o teu nome, nunca. E o
meu? Ninguém vai amar alguém como tu, excepto eu, sim, porque sabia bem o que
tinha ouvido e não quis acreditar, nunca, porque eras tu, a tua pele sem cheiro
algum, os teus lábios insonsos, o vento a estalar a pele dos meus, o vento a
soprar as palavras onde dizias não me gostar e tudo em ti me cuspia e
desdenhava. Eu a não tomar atenção às tuas palavras. Mais nada.
Ninguém te vai
amar como eu, ninguém vai não dormir, não vai comer como eu não comi, dias,
noites a fio, a mover-me pensando que vivia, acordar entre sonhos sem
despertar, dias, noites a fio, petrificado num glaciar descomunal de melindro e
confusão.
Ninguém vai
nunca saber o que é sentir o céu-da-boca pelar como quem bebe sem beber um chá
a escaldar, como quem come, sem comer, um pedaço que tira a pele da língua e a
deixa em carne viva e a sangrar. Como se o brilho dos teus olhos fosse a única
luz antes ou depois da própria escuridão, como se a luz fosse tua, como se
fosses o sol ou até a lua. Como se porventura fosses tu razão, motivo, a
centelha única da vida.
Nunca alguém
te vai saber como eu, nos gestos que não são teus porque os adivinho como meus,
nos gestos meus que parecem os teus. Ninguém te vai amar como eu a engolir mosto,
tanto mosto acre dos dias, de lava, a tentar comer para sobreviver esse amor
agreste, a engolir qualquer coisa que leva consigo a própria garganta atrás,
para dentro, para onde não é suposto que vá. Nem eu vou amar nada mais que resida
áspera e com mágoa.
Ninguém te vai
amar como eu, a ouvir vezes sem conta a mesma música que tanto dizia quero-te,
como, vou esquecer-te, vezes sem conta, a mesma canção estúpida, tantas e
tantas vezes, sem parar, e outras tantas que não liguei patavina porque a
melodia não soletrava nenhum nome. Ninguém vai amar-te como eu, surdo para o
mundo, nas madrugadas e nas noites mal dormidas, eu que fiquei surdo para tudo
pois nenhum vento segredava o teu nome, nunca. O meu? Insone.
Amar-te como
eu, nunca, para os pássaros que pensei capturar, querer os grilos do campo a
encher-me as noites sem o teu perfume, o cheiro da tua pele, o sabor dos teus
lábios, e afinal, o vento a quebrar a pele dos meus, o vento a soprar um vazio
onde nem os grilos nem os pássaros, nada te sussurrava o meu nome.
2009