Há alturas da vida em que apenas olhamos para baixo e o chão
parece-nos por demais perto, tanto que nos sentimos parte dele, integrantes, as
órbitas repletas de terra, a pele cravejada com o saibro dos dias e a boca
infestada pelo húmus pútrido da tristeza.
Noutras vezes olhamos
em redor e não tacteamos nada nem ninguém, tudo é uma imensidão deserta, uma
quietude seca e morta, sequer uma brisa nos toca. Espreitamos para além do que
pensamos visualizar como horizonte e o que deveria ser uma linha é um rasto
disforme e gasoso que nos cega de miopia. Para cima, onde deveriam estar o sol
ou a lua, nada se enxerga. Ao que parece nuvens ou deveriam ser gotículas de
água condensada, nem sólidas, líquidas ou mistas, altas, médias ou baixas, nada
se percebe. Poeira apenas. É uma densa e pesada escuridão que nos contém como
que num cubo estanque e sufocante.
Para cima ou para o lado é uma distância incomportável.
Dizer qualquer coisa é como destacar a língua dum rigor mortis pois nada bule
ao redor sequer, nada sobrevive numa atmosfera tóxica. E parece que se está no
vácuo.
Mas um dia esfregamos
as pálpebras com violência, sopramos as teias que nos colam as pestanas e
abrimos os olhos piscando-os com dor pela cor que nos ofusca e atrai em frente.
O reflexo do coração atravessa a parede e devolve-nos o amor de nós próprios,
devolve-nos o céu, o mar, escrito em sol com tinta de lua… devolve-nos a vida.
2012
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