Tenho alturas em que não penso, o
meio, seja qual for, o cerne, o interior das coisas é apenas um grande
movimento de letras que escrevo através dos braços até aos dedos e depois a
tinta, algures, lá o irá pôr. E eu dou, tanto que de suor, tanto que a parte
física de mim dói na feitura e depois relaxa até conseguir ler o engaço do
mosto das palavras. Tanto que disso o papel não tem páginas. As madeiras
estalam e o ferro parece que sufoca, incha. Como répteis a mudar de pele, soltam
lascas, cascas, de corrosão ou seja lá de que for, erosão ou dor. E no vento, areias,
ínfimas gotículas do mar que não acariciam de sopro, nenhum passar de ar, primeiro
brunem, como um galanteio, escovam lentamente, depois zurzem e antes que se dê
por isso, corroem profundamente. Pois na superfície o rendilhado pode ser
bonito, de coral, mas o interior está desprotegido e frágil. Dar e não receber
pode ser um veneno letal.
Tenho alturas em que escrevo os silêncios que me dão sem outro modo dos perceber e por isso ponho letras defronte uma das outras para ter algo que consiga ler. Tenho alturas que vomito a revolta que me desassossega até às tripas pelo que vejo e oiço e é injusto, olho para as minhas mãos e sinto-as pequenas, sinto-me pouco. Sozinho e cansado. Com falta de nexo, duvido do meu senso. Sou mal-entendido, evitado, sou estranho, apontado. Com a voz rouca não grito, quando tusso até já me dói a cabeça. Mas dou, tanto que de suor, tanto que o físico dói, claro, mas depois relaxa até conseguir ler o engaço do mosto das palavras. Tanto que disso o papel não tem páginas. Tanto digo isso sem lápis ou esferográficas.
*Excerto - 2011/12
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