19 de julho de 2013

Nada o meu nome





Ninguém te vai amar como eu, ninguém vai não respirar, não vai comer como eu não comi, dias, noites a fio, a morrer pensando que vivia, despertar entre nuvens sem acordar, dias, noites a fio, fossilizado numa pedreira colossal de melindro e confusão.
Ninguém vai nunca dar valor ao que é ter o céu-da-boca a escamar como quem engole peçonha sem dar conta, como quem sorve, sem saber, um veneno que tira a pele da língua e a deixa em carne viva, a latejar. Como se o brilho dos teus olhos fosse a única chama antes ou depois da própria escuridão, a derradeira centelha, como se fosses o sol ou até a lua. Como se porventura fosses tu a última quimera da vida, intuito, a razão única.
Nunca alguém te vai saber como eu, nos gestos que não são teus porque os detenho como meus, nos gestos meus que adivinham os teus. Ninguém te vai gostar como eu a engolir estupores, a excretar dejectos, de amor, a tentar comer para sobreviver neste pântano agreste, mosto, a engolir qualquer coisa que leva consigo a própria essência do existir, para dentro, para onde não é suposto ir. Nem eu vou amar nada mais que sobreviva de acre e com desgosto.
Ninguém te irá escutar como eu, a ouvir vezes sem conta a mesma frase que tanto dizia quero-te, como não, vezes sem conta, a mesma estúpida canção, tantas e tantas vezes, e outras tantas que não liguei patavina porque a melodia não soletrava o teu nome. E o meu, omisso.
Ninguém te vai amar como eu, surdo para tudo, nas auroras e nas noites acordadas, eu que fiquei surdo para o mundo pois nenhum vento segredava o teu nome, nunca. E o meu? Ninguém vai amar alguém como tu, excepto eu, sim, porque sabia bem o que tinha ouvido e não quis acreditar, nunca, porque eras tu, a tua pele sem cheiro algum, os teus lábios insonsos, o vento a estalar a pele dos meus, o vento a soprar as palavras onde dizias não me gostar e tudo em ti me cuspia e desdenhava. Eu a não tomar atenção às tuas palavras. Mais nada.
Ninguém te vai amar como eu, ninguém vai não dormir, não vai comer como eu não comi, dias, noites a fio, a mover-me pensando que vivia, acordar entre sonhos sem despertar, dias, noites a fio, petrificado num glaciar descomunal de melindro e confusão.
Ninguém vai nunca saber o que é sentir o céu-da-boca pelar como quem bebe sem beber um chá a escaldar, como quem come, sem comer, um pedaço que tira a pele da língua e a deixa em carne viva e a sangrar. Como se o brilho dos teus olhos fosse a única luz antes ou depois da própria escuridão, como se a luz fosse tua, como se fosses o sol ou até a lua. Como se porventura fosses tu razão, motivo, a centelha única da vida.
Nunca alguém te vai saber como eu, nos gestos que não são teus porque os adivinho como meus, nos gestos meus que parecem os teus. Ninguém te vai amar como eu a engolir mosto, tanto mosto acre dos dias, de lava, a tentar comer para sobreviver esse amor agreste, a engolir qualquer coisa que leva consigo a própria garganta atrás, para dentro, para onde não é suposto que vá. Nem eu vou amar nada mais que resida áspera e com mágoa.
Ninguém te vai amar como eu, a ouvir vezes sem conta a mesma música que tanto dizia quero-te, como, vou esquecer-te, vezes sem conta, a mesma canção estúpida, tantas e tantas vezes, sem parar, e outras tantas que não liguei patavina porque a melodia não soletrava nenhum nome. Ninguém vai amar-te como eu, surdo para o mundo, nas madrugadas e nas noites mal dormidas, eu que fiquei surdo para tudo pois nenhum vento segredava o teu nome, nunca. O meu? Insone.
Amar-te como eu, nunca, para os pássaros que pensei capturar, querer os grilos do campo a encher-me as noites sem o teu perfume, o cheiro da tua pele, o sabor dos teus lábios, e afinal, o vento a quebrar a pele dos meus, o vento a soprar um vazio onde nem os grilos nem os pássaros, nada te sussurrava o meu nome.


2009



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